quarta-feira, 19 de junho de 2013

“Como uma onda no mar”

por Rodrigo Priesnitz*

O comandante Mao Tsé Tung, quando perguntado se os efeitos da Revolução Francesa eram positivos ou negativos, respondeu simplesmente que ainda era muito cedo para uma conclusão. Já haviam se passado mais de 150 anos entre a Tomada da Bastilha e a famosa frase e, talvez por ironia, ainda hoje tem gente tentando entender o que Mao tentou dizer.
A onda de manifestações que se espalha pelo Brasil está fazendo às vezes de "elixir revigorante" para muitos militantes. A comprovação vem das redes sociais, onde os ativistas se mostram exultantes com a força dos protestos. A frase de Mao Tse cabe aqui perfeitamente. Ainda é impossível organizar uma única interpretação a respeito. É tão complexo que políticos de direita e de esquerda ainda estão perdidos.
Alguns acreditam que as "hordas" estão indo às ruas protestar contra as invasões indígenas, a legalização do aborto e da maconha e a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a favor da diminuição da maioridade penal. Outros parecem estar mais preocupados com conspirações oposicionistas manipulando e financiando o movimento para desestabilizar os governos. Ainda que a grande mídia já tenha mudado sua versão várias vezes, inclusive colocando seus “globais” com o “olho roxo” em lindas peças publicitárias, o fato é que para tristeza dela própria e também dos setores mais conservadores da sociedade, as manifestações não tem na Presidenta Dilma e no seu partido, o PT, o alvo principal de suas indignações.
Vou me arriscar a afirmar que parece mais uma soma de toda a não conformidade ante todos os males que assolam o planeta e a oportunidade de expressão de todas as bandeiras que se julgam algozes dos mesmos. No entanto, não ouso encontrar neste “achismo” alguma verdade absoluta, embora entenda que mesmo não tendo elementos suficientes, alguns apontamentos já são possíveis.
É uma mescla de todas as lutas. É o grito contra a corrupção, mas que também não se cala diante da existência de corruptores. Da luta pela democratização dos meios de comunicação e contra as manipulações dos grandes conglomerados. É o ódio ao sistema político defasado e atrasado que privilegia a eternização de mandatos. É a revolta contra uma Copa do Mundo que exige enormes investimentos públicos e que não deixa muito claro qual seu legado ao povo brasileiro, mas que se apresenta desde já como um evento elitizado, que acontecerá muito longe do alcance dos trabalhadores. É a revolta perante uma Justiça que insiste em continuar punindo rigorosamente o pobre, o negro e os movimentos sociais enquanto adula carinhosamente os abastados. É muito mais do que vinte centavos, sim.
É um fenômeno que, em que pese ter contado com alguma organização e
liderança para o estopim, deixou já há alguns dias de pertencer a este ou aquele movimento social ou partido. Não existe liderança reconhecida e legitimada e, como já testemunhamos, não apresenta uma pauta unificada. Se algum partido ou movimento social acreditou deter a hegemonia, já estão sem chão. As manifestações foram tomadas por todos os povos, partidos e movimentos sociais. Os partidos que se dizem à esquerda do PT exibem orgulhosos suas bandeiras, aproveitando a oportunidade de aparecer para o mundo, de alguma forma. Os petistas, alguns indignados ante os ataques ao seu governo federal, outros revigorados e mesmo impressionados pelo vigor das ruas, ainda acompanham reservadamente. Já os reacionários PSDB, DEM e PPS escondem suas bandeiras, envergonhados. Eles sempre apelam para a apartidarização da política, ou seja, para a despolitização da política.
Aliás, os reacionários são facilmente identificados nos debates. É aquela velha máxima de “vamos protestar contra tudo isso que está aí! Só não me venha levantar uma bandeira contra o meu preconceito!”. É muito explícito o horror que causa a alguns jovens conservadores de classe média a possibilidade de marchar ao lado de alguém que leve consigo uma bandeira do movimento LGBT. Não sei avaliar se é mais constrangedor para mim que escrevo ou se o é para quem lê, constatar o número considerável de jovens contaminados com sentimentos intolerantes às diferenças, aos sentimentos libertários e à pluralidade inseridos em manifestações que clamam por mais liberdade e democracia. Esse pode ser um efeito da timidez das políticas públicas específicas para a juventude.
Desdenhar da força das manifestações é idiotice. Olhar à distância é pouco. Estar alertas, atentos a oportunidade de avaliar se os efeitos dos dez anos de governos democrático populares serão duradouros ou perenes. Quem participou de momentos assim, ou estudou seus efeitos, seja em 68, 79, 84 ou 92, para ficar apenas no Século XX, sabe bem que a única coisa que não se pode prever é como se dará o seu desfecho, mas sabe também que nada mais será igual como era antes. “Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo. Tudo muda, o tempo todo, no mundo. (…) Como uma onda no mar.


*Rodrigo Priesnitz é Tecnólogo em Gestão Pública, militante e filiado ao Partido dos Trabalhadores e experimenta a atividade de blogueiro.

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