quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Enquanto isso, na sala da Liga da Justiça

Por Rodrigo Priesnitz
A empresa que convive com a instabilidade tem dificuldades em encontrar caminhos seguros. Imagine uma empresa que passa por dificuldades financeiras. Na nossa analise não são importantes os fatores que levaram a esta dificuldade.
Mas vamos imaginar que esta empresa tem vários sócios e que a todos são confiadas importantes missões dentro da corporação de modo que seja impossível a um executar suas funções sem a colaboração de todos os demais.
Imagine que o presidente do conselho, com sua equipe técnica, traz algumas medidas que pedem corte de gastos e de alguns investimentos para que a empresa possa fazer um ajuste em suas contas, capaz de preservar as áreas estratégicas e garantir compromissos, capital de fluxo e algum grau de investimento.
Dado este cenário, imagine que o conselho, liderado por um conselheiro ao qual vamos dedicar mais atenção na sequencia, se negue a aprovar estas medidas e ainda apresente uma nova pauta de gastos exorbitantes e desnecessários, ameaçando a todo tempo que trará uma pauta bomba às reuniões do conselho se o presidente não ceder às suas vontades. Para piorar a situação, imagine que o departamento de marketing se dedique apenas a uma campanha contra a credibilidade da empresa em arcar com seus compromissos financeiros, esconda todos os bons produtos que a empresa oferece aos seus clientes, que nunca relacione historicamente a situação atual com outros vividas no passado ou com as demais empresas do mercado, que esconda do publico o sistema que rege o equilíbrio de forcas na direção da empresa, inclusive o seu próprio papel na manipulação de informações.
Imagine que o líder dos conselheiros está envolvido até o pescoço em escândalos de desvio de ativos da empresa, com fartas provas, mas que faz uma campanha de terror contra o presidente do conselho, acusando-o sem provas de desmandos e pataquadas tão execráveis quanto os seus, e que com isso faca um jogo de chantagens e ameaças de deposição e impedimento. E o departamento de marketing só interessado em esconder as falcatruas do líder dos conselheiros e vilipendiar a imagem da empresa. 
Mesmo que contra o presid ente do conselho não exista qualquer prova material ou sequer investigação, o departamento de marketing faz questão de poupar seu aliado pontual, o líder dos conselheiros, para manipular a opinião publica contra o presidente, pois ao menos contra este recae a séria acusação de controlar e cortar recursos do departamento, e isso "é inaceitável!!!!"
Há que se dizer que uma parte considerável do conselho não se submete aos devaneios do líder dos conselheiros, confia no presidente, mas discorda das medidas que sua equipe formulou. 
Agora imagine um novo personagem, a oposição. Sim, o presidente do conselho tem uma oposição que foi derrotada nas urnas e que não se conformou com o resultado. Eles ja ocuparam a presidência do conselho em outros tempos e mantém relações intimas com o pessoal do departamento de marketing. Pior que isso, eles tem muita influencia entre os delegados do departamento de fiscalização e também com toda a estrutura da controladoria interna. O presidente do conselho foi republicano demais para designar capitães fieis ao seu projeto nestes cargos.
Os operarios da empresa também estão em duvida. O presidente do conselho não tem boa comunicação com eles, e apesar de ser um deles,  o departamento de marketing tem carta branca para jogar qualquer tipo de informação nas ferramentas, mais de opinião do que de informação, claro. E os índices de aprovação do presidente permanecem baixíssimos.
O cenário ainda suporta uma concorrência desleal com outras empresas. Ha rumores de que os concorrentes têm subornado parte dos conselheiros e do quinta coluna. Só rumores.
Tudo isto por analisar e parece não haver saída... para a empresa! Mas eis que estes fanfarrões não imaginavam que o presidente teria caráter forjado em muitas lutas, conhecimento tecnico, honradez inquestionavel e muita resiliência, ainda que péssima dicção e comunicação.
As redes sociais fizeram o contraponto na formação de opinião dos operários a tal ponto que ficou impossível ao departamento de marketing permanecer com a política de ocultação das falcatruas de seu aliado pontual, o líder dos conselheiros. Visto que a controladoria foi obrigada a lhe por regras, o que inviabilizou a tentativa de derrubada do presidente.
Eis que afastado o líder dos conselheiros, recolhidas as garras do departamento de marketing, e arrefecidos os arroubos dos opositores, os índices de aprovação em recuperação e finalmente se pode comemorar uma 'pax romana' na empresa, a tão almejada estabilidade. Após aprovação dos ajustes, logo foi capaz de retomar investimentos, remunerar melhor os trabalhadores,  manter e ampliar os bons programas de benefícios que ja oferecia. E na sala da Liga da Justiça, tudo parece normal.
Ps - as investigações continuam, o que faz muitos conselheiros, diretores e o departamento de marketing andar pianinho.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Parto Natural Residencial - Na contramão do mercado - Por Thaynara Fernanda Priesnitz

Por Thaynara Fernanda Wayhs Priesnitz*

Tudo começou quando eu assisti ao Renascimento do Parto. Chorei muito, não podia acreditar que era tāo dificil parir no Brasil. Pensei na minha māe, que pariu aos 17 anos e aos 34 fez cesárea, contrariada. Chorei por ela, chorei pela minha irmā, chorei por todas as mulheres e crianças que tiveram seus nascimentos roubados. Foi aí que começou a minha busca por informação de qualidade e apoio. Estudando um pouco, descobri que o “parto normal”, na verdade não tem nada de normal, e que o que eu queria era um parto NATURAL. Eu tive o privilegio de poder trancar a faculdade e aproveitar ao máximo cada momento da gravidez, descobrindo e aprendendo a cada dia um pouco mais, e a honra de ter um companheiro tāo empenhado em aproveitá-la comigo, e em apoiar todas as decisões que eu tomasse. Tive também, a sorte de conhecer um anjo em forma de obstetra, que me apoiou desde o começo, me empoderando mais e mais a cada consulta, dizendo como meu corpo era perfeitamente capaz de trazer meu filho ao mundo, como os bebês sabem nascer, e o quanto é importante o respeito ao que é fisiológico. 
Foi o Dr Álvaro quem me aconselhou a procurar uma doula, quando eu nem sabia direito o que uma doula fazia (e assim eu conheci a Tatiana). Foi ele quem encorajou, a mim e ao meu marido, a participarmos juntos, de grupos de apoio ao parto. E assim fizemos. A cada encontro no Centro de Parto Ativo de Curitiba, eu e o Luiz conhecíamos pessoas maravilhosas, do bem, cheias de experiências para compartilhar, sem julgamentos, com muito amor envolvido. E saíamos, sempre, melhor informados e mais motivados a continuar nossa jornada rumo ao parto natural. Eu, corpo e mente, cada vez mais conscientes. Me conectava com o meu bebê, sentia sua vida pulsando dentro de mim e desfrutava da inigualável experiência de sentir meu corpo gerar outro ser a partir de uma única célula. Entrando em contato com a natureza em mim, agradecendo à vida pela oportunidade de realizar o maior sonho da minha vida. Eu e o Luiz nos entregando mais e mais um ao outro, às etapas do crescimento, às alterações de humor e forma, ao nosso karma, à luz da vida, à natureza.
O Enzo vivia dentro de mim há 24 semanas quando sentimos o chamado. Foi, literalmente, um chamado. Simultâneo. Intenso. Emocionante. Sentados no sofá de casa, com lágrimas nos olhos, a vida nos chamava a tomar as rédeas e a responsabilidade pelo nascimento do Enzo. Ele viria ao mundo em casa! Nāo fazia o menor sentido, para nenhum de nós, que não fosse assim. Nós queríamos respeitá-lo em todos os aspectos, e sobretudo, queríamos ser os protagonistas nesse que seria o nascimento conjunto de 3 novos seres. No próximo sábado, por coincidência ou destino, conhecemos o Fábio e a Carol, um casal de enfermeiros queridíssimos, de quem acabamos nos tornando amigos. Era mês de março, e apesar da agenda concorrida, tudo se encaminhou tāo perfeitamente, que conseguimos reservar com eles a data prevista do nascimento do Enzo, 12/07.
O Grupo Luar nos acolheu. Passaram-se as semanas, e com a trigésima quinta semana, começaram as consultas do pré natal domiciliar. O Dr. Álvaro acompanhando de seu consultório, torcendo por nós e trazendo a segurança de que tudo estava perfeitamente bem. Cada semana, uma visita agradável para checar a nossa vitalidade, até que se completassem 40 semanas, e partir daí seria uma visita a cada 2 dias. Eu, do alto de minha inexperiência, me antecipei e duvidei que chegaríamos a tal ponto. Mas nós chegamos. Eu vinha sentindo contrações de treinamento, aquelas que não são doloridas, e endurecem apenas uma parte da barriga, desde a vigésima semana, e a partir da trigésima sétima, elas apareciam cada vez mais frequentes, trazendo consigo tamanha ansiedade que comecei a sonhar com o parto quase todos os dias. Minha māe, em sua infinita generosidade, tirou férias para vir cuidar de mim e ver o neto nascer. Meu pai e minha irmãzinha também vieram, pois era julho, época de ferias escolares… Tudo certo, seria um acontecimento familiar, idealizado por nós todos como uma espécie de cura conjunta de traumas vividos no passado.
Contávamos os dias, todos ansiosos pela chegada do nosso pequeno pacotinho de amor. Na trigésima nona semana, o Fábio e a Carol vieram aqui pintar o Enzo na minha barriga, foi uma delícia, momento de total conexāo de todos com ele… Ele chutava e pulava dentro de mim enquanto a gente ia tocando na barriga e conversando com ele. O exame físico mostrava que estava tudo ótimo conosco. Foram três semanas maravilhosas e muito agradáveis de acolhimento da minha família, mas algo acontecia dentro de mim que não estava deixando o processo fluir. As contrações de treinamento desapareceram, ou eu acho que desapareceram, pois fui instruída a ignorá-las. 41 semanas e nada. O Enzo poderia nascer em casa, apenas até a próxima segunda, quando completaríamos 42 semanas. E mais uma vez, minha māe, com toda a sua infinita bondade, decidiu que era hora de nos deixar a sós, limpou e deixou toda a minha casa em ordem, e partiu para uma viagem de 560 km rumo à sua casa. Era quarta feira, 41 semanas e 2 dias. A essa altura, eu já estava em processo de aceitação de que não seria como nós planejamos. Chorava ao escrever meu plano de parto para entregar na maternidade. O Luiz, sempre muito calmo, acolhedor, me trazendo a esperança de que ainda poderia ser, faltavam 5 dias afinal! No dia anterior tivemos consulta com o Álvaro e ele disse para voltarmos na sexta às 10:00, com toda a empatia do mundo, nos explicou como seguiríamos a partir da próxima semana. Chamei ele de lindo naquele dia, depois dele me pedir para tentar manter a calma e relaxar, que o Enzo decidiria a hora de vir, fosse em casa ou na maternidade, seria quando ele decidisse. Que ele não ia induzir o parto, muito menos fazer uma cesárea. Saí de lá aliviada, percebi que até as contrações de treinamento surgiram novamente, sem dor, só uma parte da barriga endurecendo, normal… Nos despedimos de meus pais naquela quarta feira sabendo que era o certo, que precisávamos mesmo ficar sozinhos, afinal, eram 4 adultos, uma criança de 5 anos, um gato e um cāo convivendo em 82 metros quadrados de um apartamento… Enfim ficamos só nós 2, minha barriga e nossos bichos, e a rotina poderia se reestabelecer. Tivemos uma noite muito agradável, do jeito que costumávamos fazer: cozinhamos juntos, namoramos no sofá da sala assistindo a um besteirol americano, demos muita risada, saímos à 1 da manhā para comprar um Mc Flurry, andamos de carro pela cidade contemplando nossa “liberdade” de fazer o que quiséssemos na hora que bem entendêssemos, que logo acabaria. Conversamos sobre como talvez fosse isso que ele estivesse esperando: uma despedida da nossa antiga vida, só nós dois, relaxados e tranquilos.
No dia seguinte, acordamos com o sol na janela, a casa em silêncio, e eu me aconcheguei de forma desajeitada com meu barrigāo e meus 21 quilos extras nos braços dele e nós fizemos amor, depois tomamos um longo banho juntos, curtindo nossa intimidade. Às 11 horas, estávamos na sala de espera da clínica de imagem, uma ecografia só para ter certeza de que estava tudo bem mesmo. No caminho para lá, notei uma contração “meio que diferente” das outras. Durante o exame, o médico-ultrassonografista-vidente disse que o Enzo não estava com cara de quem queria nascer logo, que estava muito alto ainda… Vejam só, nunca consegui tirar uma foto de perfil de um bebê de 41 semanas, dizia o querido médico. De repente… ai, doutor, estou tendo uma contração de treinamento… e nós enxergamos nitidamente na tela a nossa frente, nosso pequeno anjo empurrando a cabecinha rumo à cavidade do meu osso pélvico. Quem é mesmo que não quer nascer?! Saindo de lá, rumo ao shopping, uma onda de excitação percorria minha coluna junto com a contração que agora havia mudado de forma.
Ela também era uma onda. Eu via, ouvia, sentia ela percorrer o meu corpo. Começando bem leve, chegando a um pico para abrandar novamente e desaparecer. Tudo bem, mantenha a calma, isso pode durar dias, disse minha consciência. Vida que segue, almocei um burrito mega apimentado, passeamos no shopping vibrando de contentamento com cada contração que aparecia em espaços de vinte minutos, meia hora. Minha doula e amiga Tati vinha fazendo drenagens semanalmente no meu corpitcho, e naquele dia, as 14 horas, como de costume, toda quinta feira, não seria diferente. Durante a sessão, umas 5 contrações. Demos muita risada do médico-ultrassonografista-vidente, e no final ela disse para eu mantê-la informada do progresso. Chegando em casa fui visitar minha vizinha e amiga Laura, quem me apresentou ao Dr Álvaro, no início da gestação. Eu estava feliz com os sinais de avanço da gestação… sorrindo e me entregando àquelas deliciosas contrações que vinham doloridas numa intensidade igualmente deliciosa. A Laura disse que o Enzo nascia ainda naquele dia, e que não entendia como eu poderia estar tāo tranquila. Eu respondi que não tinha como saber, pois poderia demorar dias até o trabalho de parto engrenar, entāo eu devia mesmo relaxar. Fiquei lá na casa dela, com as minhas contrações irregulares, doloridinhas, agora, de 10 em 10 minutos, até umas 17 horas. Cheguei em casa e deitei na cama com o Luiz, sorrindo feito bobos um para o outro.
O Fábio disse numa das consultas que era para tomar banho quando sentisse contrações diferentes, e que se diminuíssem de intensidade depois do banho, não era trabalho de parto. Entāo, tomamos outro banho. E elas intensificaram! Depois do banho, fomos no mercado comprar algo para comer. Lá no mercado, elas continuaram… agora um pouco mais doloridas do que antes. A gerente do mercado chegou passando a māo na minha barriga e dizendo nossa, que barriga linda, pra quando é o bebê? Eu, no meio de uma contração: Pra agora!! Rimos muito, compramos massa de pizza e outros ingredientes. Chegando em casa eu fui preparar a pizza. Sim, eu fiz pizza em trabalho de parto! Quando chegava uma contração, eu parava e estendia os braços sob a bancada de mármore, empinando o quadril para trás e rebolando, e quando ela acabava eu voltava para a pizza! Enquanto a pizza assava, sentei na minha bola de pilates e rebolei, cantando feliz, rindo do Luiz que gravava vídeos no celular para mostrar para o Enzo no futuro. Comi pizza rebolando na bola e as 20:00 decidimos ir para o quarto descansar. Acontece que deitada, a dor ficava mais intensa… e o resultado foi que eu não dormi nadinha! Mas fiquei na cama até as 23:00, quando não aguentei mais ficar na mesma posição, precisava caminhar, rebolar, dançar. Deixei o Luiz dormir, afinal eu precisaria muito da energia dele dali algumas horas. Coloquei Friends (seriado favorito) para assistir, e vibrava quando a cada 5 ou 6 minutos vinha uma nova contraçāo. Resolvi tomar outro banho, e quando saí do banho senti uma vontade enorme de fazer cocô. Oba, mais um sinal de que meu corpo é uma máquina perfeitamente desenhada para fazer exatamente isso! E entāo lá fui eu fazer mais cocô do que havia feito a gravidez inteira (eufemismo para: minha nossa, quanto cocô!). Aqui, devo fazer uma pausa para dizer a quem estiver lendo que os hormônios do parto fazem isso mesmo, entāo esteja preparadx para um avalanche de cocô bem molengo no trabalho de parto. Voltando… fiquei num vai-e-vem entre o banheiro e a sala, entrava no chuveiro, saía do chuveiro, voltava para a sala, dançava e rebolava, voltava para o sanitário, fazia mais cocô, assistia mais um pouco de Friends e assim foi até as 2:02 da manhā (sei disso pois estava anotando cada contração, que agora vinham em intervalos de 3 minutos!), quando sentada no vaso, perdi o tampão mucoso! E foi só entāo que eu acreditei que ele estava vindo mesmo! Gritei de alegria, chamando o Luiz aos berros! Ele chegou pensando que o Enzo tinha nascido, eu mostrei o papel higiênico cheio daquela linda gosma espumante transparente com um pouquinho de sangue e ele vibrou gritando também “saiu o tampão!! ele tá vindooooo!” Era hora de ligar para a Aline (a parteira de plantão do Grupo Luar) e para a Tati (a doula). Entrei e sai do chuveiro enquanto esperava as duas. A Aline chegou primeiro, e nessa hora eu já estava só de roupāo, com o tronco apoiado no sofá, coque no cabelo, suor na testa, vocalizando aos berros cada contraçāo e rebolando o quadril.
 Eu olhei para ela sorrindo e disse: Deu certo! Está acontecendo! Ele está chegando! Lembro dela dizer: e tem quem diz que mulher parindo é feio, olha como ela está linda! O Luiz tirando “selfies” com a esposa parindo e fazendo piada. Eu ria entre os gemidos e gritos… A Aline fez um toque e me pediu para descansar. Eram 3 horas da manhā, 3 centímetros de dilataçāo. Ainda tinha muito chão pela frente, e eu só dava risada! Eu não estava nem aí, estava em êxtase, mais feliz do que nunca, contemplando minha animalidade, minha fera interior… que ainda nem havia se mostrado de fato! A Tati chegou trazendo óleos essenciais, massagens, grāos de mostarda, afeto, palavras de incentivo e mais risadas. A Aline orientou a Tati e o Luiz a me incentivarem a descansar e foi embora, ela voltaria quando eu achasse necessário. Ficamos na sala, o Luiz fazendo um “stand up” de parto enquanto eu relaxava com as massagens da Tatiana madrugada a dentro. A dor já estava muito forte, e eu comecei a esquecer de tudo o que havia estudado, mas a Tati me lembrava de relaxar e me entregar às ondas, e assim ficava suportável passar por elas. O Luiz me trazendo um gole d’água, umas castanhas, um picolé, uma colher de mel, um travesseiro, por favor! Fomos para o quarto, e eu dormi de roncar entre uma contraçāo e outra, numa posição meio que de 4, amparada por uma pilha de travesseiros em baixo da barriga, pelas māos macias da Tati me massageando e pela māo firme do Luiz segurando a minha. A Tatiana lembrou da linha púrpura, um importante recurso que nos dá uma ideia da dilataçāo… A linha segue do ânus ao “cofrinho”, e a minha estava com 8 cm! Hora de chamar a Aline novamente. Já eram 6 da manha, e eu já estava na partolândia! A partir daqui, a memória está um pouco embaçada, efeito do “barato” da ocitocina, hormônio do amor que traz os bebês ao mundo. Eu estava embriagada por ela! Lembro-me de estar no chuveiro, e a Tati me pedir que horas eu achava que era. Eu disse três e meia. E ela: Bem vinda à partolândia! A dor era imensa, intensa, maior do que tudo, me abrindo, me rasgando, o corpo, a alma, o espírito, o ego… A alegria de saber que cada contração trazia meu pequeno para mim… inigualável. Fez total sentido a frase: A dor é forte porque é minha, eu sou forte! A Aline chegou e fez o segundo e último toque, que doeu muito mais do que o primeiro, pois as contrações não davam mais trégua, agora era uma a cada minuto, e durando mais de um minuto! Nessa hora, começava a fase introspectiva do trabalho de parto, e eu quis ficar sozinha com meus pensamentos turvos. Sentei mais uma vez no vaso, e ali a dor aliviou um pouco. Aqueles momentos são para mim, a parte mais enriquecedora do processo. Ali, não duvidei nem por um segundo da minha força e da minha capacidade, pois entrei em contato com o poder sagrado feminino dentro de mim, chamando às minhas ancestrais para me ajudarem a seguir em frente com a mesma bravura que elas seguiram. Minha tataravó, que pariu 15 filhos, foi a primeira que veio em minha mente. Eu repetia comigo mesma e com elas, eu tenho a força de vocês em mim, eu sei que sou capaz e eu sei que vou conseguir. Eu agradecia mais uma vez à vida, aos céus e à terra pela oportunidade de passar por isso e descobrir essa força. Eu chorava e gritava a cada contraçāo que me rasgava em mil pedaços, sabendo que não sairia dessa experiência sendo a mesma pessoa, e agradecendo mais ainda por isso. Eu falava com o meu filho e agradecia a ele por ter me escolhido para ser sua māe. Eu falava com a criança que eu fui e dizia para ela que estava tudo bem. Eu curava minhas feridas anteriores à medida que essas novas feridas do parto se abriam para me transformar. Eu perdi a noção de tudo, tempo, espaço, momento, fome, sede. Só tinha espaço para a dor. A dor me preenchia, e eu me transformava em māe. De repente, os “puxos”. Era hora de sair do vaso e ir para a piscina que estava montada no quarto do Enzo para recebê-lo. O Luiz entrou comigo, e a nossa viagem começou. Eu ia mudando de posiçāo dentro da água quente enquanto ele molhava minhas costas e cabeça com um potinho, segurando minha māo e me dizendo como eu estava sendo forte, como tudo estava sendo perfeito. Cada contração me obrigava a fazer uma força que eu nunca vi igual. Ela vinha junto com a onda de contração que abraçava meu bebê para empurrá-lo para a vida. Tudo ia bem, até mesmo no momento em que eu duvidei de mim (isso também acontece, se preparem). Quando eu disse que estava com medo, o Luiz me lembrou que essa é a hora em que o bebê “já vai chegar”. Ah, teve um cocozinho na banheira também (segundo a Carol, foi só uma bolinha).


Eu idealizei um parto de cócoras, o Enzo vindo direto para as minhas māos ao som de Shine on You Crazy Diamond. É obvio que não foi assim! Travei, literalmente, deitada de lado no colo do Luiz, agarrando as costas dele com as unhas enquanto ele segurava minha perna direita levantada. E foi assim que eu senti a cabecinha do Enzo atravessar meu corpo e aparecer entre minhas pernas. Ardia muito, era o círculo de fogo. Ele saía e voltava um pouquinho, e foi isso que garantiu meu períneo íntegro! Olhei para cima e vi o Luiz chorando muito, entāo eu soube que a cabecinha do Enzo estava toda para o lado de fora. Fiquei alucinada querendo tê-lo em meus braços, e foram mais 2 contrações até que ele saiu. 49 centímetros. Senti todos eles. Ele foi para as māos carinhosas da Aline, enquanto eu me lançava para a frente com a força de dez leoas e o pegava no colo, beijando, cheirando, lambendo minha cria, que nasceu dormindo, em paz, sem violência, respeitado e cercado pelo mais puro sentimento de amor de todos à sua volta. Senti uma paz imensa e não acreditava que tudo aquilo estava mesmo acontecendo, o Enzo soltou uns gritinhos de choro e adormeceu de novo no meu colo. O Luiz chorou. Eram 10 da manhā da sexta feira, 24 de julho. Hora da minha consulta com o Dr. Álvaro. A Carol mandou uma foto nossa para ele naquela hora, rimos muito e o Enzo começou a mamar. Nāo foi como planejamos, foi muito melhor. Foi exatamente como tinha que ser.


*Thaynara Fernanda Wayhs Priesnitz e mãe, estudante e militante contra a violência obstetrícia e a favor do parto humanizado. 

sábado, 11 de julho de 2015

A Travessia - Trecho das memórias de Adalberto Ludwig e a relação de amizade com a família Priesnitz

A história da Família Priesnitz no Brasil tem tradição verbal transmitida de geração a geração. Não tenho conhecimento de relatos documentados sob a ótica da Família Priesnitz. O texto que segue é um trecho das memórias do Sr. Adalberto Ludwig, filho de imigrantes europeus que conviveram e cultuaram forte amizade com Emil Priesnitz, meu tataravô. Boa leitura!
********************

Encontrei estas anotações entre os pertences do meu pai, Günter Ludwig. São anotações que meu avô Adalberto Ludwig deixouque agora foram traduzidas fielmente do original, sem nenhuma adaptação, apenas com algumas notas explicativas, entre colchetes [ ]. Não sei ao certo quando estas memórias foram escritas, mas certamente foram após março de 1979, data mais recente apontada nelas. Adalberto Ludwig faleceu em 5 de julho de 2004, na idade de 97 anos.
Pedro André Ludwig – Estrela, RS, 29 de dezembro de 2013
********************
(...)

[história da imigração]
Zyrardow – cidade polonesa em Warschau [Varsóvia], cerca de 30.000 habitantes. Indústria xtil.
A primeira tecelagem de linho na Polônia foi uma exigência do Czar Nicolau II Alexandrowitsch [Alexandre] da Rússia 1868-1918 (naquela época Varsóvia estava sob domínio russo)e foi construída por Hillert e Dietrich, dois austríacos de Freudenthal, da Silésia-Áustria. Os dois empresários da fábrica responderam ao pedido do Czar, que eles concordariam em construir uma tecelagem em Zyrardow, somente com a condição de eles poderem levar junto os trabalhadores da fábrica da Áustria. Isto foi algo que o Czar nem precisou pensar, e aceitou de bom grado.
Franz Ludwig e Emil Priesnitz (dois tecelões) e outros que eu não sei o nome, mudaram-se de Freudenthal-Áustria para Zyrardow, e trabalharam vários anos na tecelagem.
Lá tiveram muito trabalho, seis dias por semana, nove horas todos os dias – O salário dos trabalhadores não era bom. Todos trabalhadores ansiavam por uma vida melhor. Na tecelagem trabalhavam austríacos, alemães e outros.
Então vieram propagandistas que incentivaram operários e outros residentes de Zyrardow, a emigrarempara o Brasil. Os propagandistas eram pessoas do Brasil, enviados por D. Pedro II, dizendo que era uma terra muito melhor.
Para os imigrantes foi dito: isto não vai demorar mais muito, então haverá na Europa uma grande guerra; muitos países serão envolvidos, como Rússia, Áustria, Alemanha e outros países, e podemos dizer que desta guerra ninguém será poupado. Em seguida vai piorar ainda mais.
Além disso, foi dito:
No Brasil nenhum de vocês ou nenhum de vossos filhos precisarão prestar serviço militar, e a cada ano fica mais barato uma grande colônia, sendo que podem trabalhar e fazer negócios, livres e sem perturbações. Ainda muito mais foi dito a estas pessoas, mas não correspondia bem à verdade. Muitos imigrantes ficaram desapontados de terem vindo ao Brasil.
Muitos austríacos, poloneses e alemães se interessaram em se mudar para o Brasil. Aqui no Rio Grande do Sul os poloneses e alemães se separaram. Os alemães se estabeleceram mais ao sul, na Depressão Central, e os poloneses foram mais para a área da serra, como Erechim, Santo Ângelo, Ijuí, e assim por diante.
Em Hamburg começou a aumentar o número de emigrantes. 
Começando em novembro de 1889, aumentavam os emigrantes no navio que os levaria ao Brasil.
Então o Brasil ainda era Império – ao chegarem eles no Rio de Janeiro, o Brasil já era República.
A viagem de Hamburg para o Brasil durou mais de um mês.
Durante sua longa viagem, morreu em alto mar um filho de 12 anos de Emil Priesnitz. O morto foi, depois do discurso funeral do capelão do navio e de cantos de vários passageiros, largado abaixo nas ondas do mar. Adolf, o filho mais velho de Franz Ludwig, também cantou junto.
Adolf Ludwig dizia com frequência: “isso foi o mais difícil da nossa viagem.”
No Rio de Janeiro, a família Ludwig e Priesnitz, e outros, ficaram quatro dias na Ilha das Flores.
Do Rio de Janeiro eles viajaram com um navio a vapor costeiro [provavelmente o ‘Continentista’] para Porto Alegre. Lá ficaram hospedados alguns dias noHotel Reich.
De Porto Alegre viajaram com o vapor para Porto Mariante.
A tia Rosa ficou no Hotel Reich, por pedido da Senhora Reich.
Rosa mais tarde se casou com Ferdinand Reich, filho do hoteleiro.
De Porto Mariante, as famílias Ludwig e Priesnitz viajaram numa carreta de bois, uma carreta de duas rodas, puxado por várias juntas de bois, até Venâncio Aires. Ali ficaram 2 dias numa residência de nome Myhëres – Venâncio Aires tinha então bem poucas residências. De Venâncio Aires a viagem seguiu a pé, orientados por um condutor, até Linha Brasil, no 3º Distrito de Santa Cruz do Sul. O caminho que eles andaram de Venâncio Aires até Linha Brasil era tão ruim, que quase não se conseguia atravessar com uma pequena carroça de bois. Lá eles foram para a residência de Ignatz Müller, uma das primeiras residências da Linha Brasil. 
Nos dias durante a hospedagem com Ignatz Müller, Franz Ludwig e Emil Priesnitz foram a pé até Alto Linha Saraiva para suas propriedades de Terra que receberam. Suas mulheres e filhos ficaram na casa de Ignatz Müller.
Cada um dos dois construiu para si, na sua propriedade, um pequeno rancho. Quando ficaram prontos, voltaram para suas famílias. Então pais e filhos se aprontaram para a viagem dali até seu novo lar, Alto Linha Saraiva. Suas propriedades ainda estavam cobertas pela mata nativa.
Franz Ludwig começou a colonização onde está a Escola Municipal.
Emil Priesnitz começou a colonizar mais ao sul, uns 300 metros afastado do Ludwig. Entre o Ludwig e o Priesnitz moraram 2 outros imigrantes com suas famílias. Todos imigrantes se dedicavam ao trabalho agrícola.
Toda colônia ficava a leste do Rio Castelhano.
O Rio era na época mais limpo, mais fundo e tinha mais peixes que agora. 
O Castelhano não é mais tão fundo como era, está muito assoreado, e tem bem menos peixes.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A evidenciação dos cornos

Por Rodrigo Priesnitz*

Fazia algumas semanas que Dona Narcisa desconfiava que o marido lhe estava a pôr algumas guampas. Vinte anos de casamento e ela jamais havia colocado a lealdade do parceiro em dúvida. Três filhos, todos bem criados, vida econômica estável e nada a desejar no íntimo dos lençóis de fios egípcios.
Duas décadas de uma vida confortável e sem percalços estava ameaçada. Era doloroso imaginar, mas a dúvida lhe causava uma intriga emocional que a queimava por dentro.
Uma mancha de batom no colarinho da camisa foi o estopim. 
Pois no auge de sua aflição contratou um detetive particular para pôr fim à agonia. 
Dentro de alguns dias o Dr. Arapuã lhe trouxe o relatório das investigações. Dezenas de horas de escutas telefônicas, centenas de minutos de vídeo em HD, milhares de fotografias em lentes objetivas, kilometros de extratos bancários, pilhas de matrículas de registros de imóveis, engradados de boletos de mensalidade escolar, cadernetas de farmácia e padaria compunham um acervo volumoso. 
As evidências eram definitivas. O homem tinha outra família, com direito a cachorro, gato, papagaio, bicicleta, sogra e neto! Sim, o desgraçado era avô!
O mundo de Dona Narcisa veio abaixo. Com seu orgulho ferido, Dona Narcisa não aceitava sua nova condição. Afinal, como foi que de uma hora para outra ela virou a maior corna do bairro?
Maldita mancha de batom...
Maldito Dr. Arapuã!

Moral da história: O corno ou corna pode passar 20 anos levando chifres sem nada saber, mas definitivamente, passa a ser corno ou corna só depois que descobre!


*Rodrigo Priesnitz é Tecnólogo em Gestão Pública e alimenta este Blog quando o tempo lhe permite.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A incansável busca pelos 15 minutos de fama

Por Rodrigo Priesnitz

“O gênio da última hora / É o idiota do ano seguinte”. Esse pequeno trecho da bela canção composta em parceria por Branco Mello e Sérgio Britto e gravada pela banda de ambos, Os Titãs, é a sentença que melhor cabe na descrição do comportamento das vítimas da carência de atenção.
Os egos inflamados de alguns adultos são parte dos efeitos da falta de carinho, cuidado e demonstrações de amor e afeto que experimentaram quando crianças. Por este ponto de vista, os “idiotas” que imploram repetidamente por 15 minutos de fama são meros co-responsáveis das personalidades que assumiram.
Não é raro ver ex-ídolos do passado assumindo a missão de descarregar a artilharia pesada, e torpe, sobre momentos da política nacional. Fabricação de sentenças, afirmações psicodélicas e gestuais juvenis decoram suas manifestações de repúdio “a isso tudo que está aí”. Claro que não basta apenas se rebelar contra o sistema, tem que malhar a Presidenta Dilma, os partidos que a apoiam e seus militantes. Aprendem tudo na escola do Olavo de Carvalho, o filósofo formador de opinião da “nova direita” – Deus nos Livre.
Dois “memes” que ressuscitaram foram os roqueiros Roger Moreira e Lobão. Depois que ligaram suas metralhadoras, ganharam bajulação e massagem no ego com aparições em programas televisivos e voltaram a ser “cult”. O último dos dois é o caso mais emblemático, migrou da posição de “inimigo público número um” das gravadoras e da velha mídia para o posto oficial de colunista do folhetim do Grupo Naspers, a Revista Veja.
A corrida por afagos não se resume a armários mofados. Basta observar o deprimente caso envolvendo a tal Sininho, que não tem nada de Fadinha, e aqueles jovens bobalhões, dispostos a assumir a responsabilidade por um assassinato, sabe-se lá para livrar a cara de quem. Com tamanha exposição na TV – por quê? – se fizeram conhecidos. Tão logo seus 15 minutos passem restarão armazenados em uma gaveta qualquer, juntos de laudos de bolinha de papel ou de guaxuma.
A busca pela atenção alheia vai além de fatos ocorridos nos grandes centros urbanos. Tem aquelas almas carentes que habitam os mais afastados rincões e que mesmo longe das câmeras de TV e de seus holofotes consagradores, logo aprendem a saborear o doce gosto que só as celebridades conhecem. A escolha do novo Papa é motivo para uma caça aos parentes no interior do Paraná, assim como a cassação de um Título de Honraria é fagulha perfeita para ser presenteado com alguns minutos de exposição.
A decisão de cassar o Título de Cidadão Honorário de Toledo, concedido pelo povo da cidade a
Henrique Pizzolato há 20 anos, abre precedentes. Se a intenção da aprovação de uma Lei Municipal para a cassação de apenas um único Título de Cidadania Honorária é a de passar o passado a limpo, se é a de revisar as decisões tomadas em desacordo com a vontade da população, a partir de agora será necessária uma proposição que reveja a escolha de nomes de ditadores e torturadores para escolas, prédios públicos, praças e logradouros. Podemos ir além e ampliar o enquadramento para aqueles que simplesmente apoiaram o regime, pois o fim daquela brutal ditadura foi o desejo da esmagadora maioria do povo brasileiro e a permanência destas injustas homenagens é uma afronta à vontade soberana.

Caso contrário, teremos apenas a confirmação de tratar-se apenas de mero revanchismo, moralismo para alguns ou carência afetiva de outros. Confirma-se também a aplicação de dois pesos e várias medidas quando em alguma das pontas encontra-se um petista.
*Rodrigo Priesnitz é Tecnólogo em Gestão Pública

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Dona Odete é mais esperta que o pessoal do Wall Street Journal

Por Fernando Brito, para o Blog Tijolaço

Semana passada, o Wall Street Journal publicou uma matéria sobre os riscos de uma “bolha de crédito” no Brasil. Usou como exemplo da história de Dona Odete Meira da Silva, essa simpática mulher aí da foto. Diz o jornal que ela é mãe solteira,  comprou um computador, uma TV de tela plana e começou a construir uma casa num bairro violento da periferia de São Paulo, que se parece com o Bronx novaiorquino, digo eu.
Mas a foto mostra que o sonho de Dona Odete está ainda pela metade, porque ela se viu com muitas dívidas e, prudente, “deu um tempo” até que as coisas melhorem. O jornal diz que a obra da casa de Dona Odete, que espera a hora de fazer o acabamento do segundo andar, é um retrato “da própria escalada na economia brasileira: só (foi) até a metade”.
A Dona Odete, porém, é mais esperta. Para ela, a obra já foi até a metade e, assim que ela se desapertar, vai continuar: “Ainda pretendo terminar a casa, mas isso vai ter que ser feito pouco a pouco, talvez em mais três anos”, diz ela. Mas os jornalistas do Wall Street, talvez por não terem a experiência sobre como os pobres conseguem as coisas – aos poucos e com esforço – mostram que são menos espertos que Dona Odete. Repetem um amontoado de frases ouvidas dos iluminados do mercado e não conseguem compreender – mesmo que o digam – que a prosperidade brasileira se confundiu e se alimentou da elevação do poder de compra da população pela via ao aumento da renda e do aumento do crédito.
Esquecem que nossas taxas de juros elevadas não decorrem da inflação, mas da alta taxa de ganho que os investidores internacionais – aqueles lá da Wall Street – exigem para fazer aportar aqui seu capital. E que são os problemas financeiros do mundo desenvolvido – e não os nossos – que estão gerando as turbulências por aqui. Mas o mais chocante é a afirmação de dizer que o endividamento americano – muito maior que o brasileiro – é algo “economicamente mais saudável” por ser fundado em hipotecas, que somam 80% do PIB americano, enquanto todas as modalidades de crédito no Brasil, somadas, mal passam dos 50%!
Tenham paciência, chamar de saudável este sistema hipotecário que explodiu e lançou o mundo na pior crise pós-29, debaixo das barbas do jornal? Eu me animei aqui, porque queria apenas apresentar o texto escrito pelo economista Jorge Mattoso, da Unicamp e ex-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Lula. Leia e confira como Dona Odete tem toda a razão: ela já tem uma escada para subir ao segundo andar, que ninguém mais vai demolir.
Há pouco mais de 10 anos, quando o Brasil praticava direitinho as regras dos “sabichões” da economia, Dona Odete não tinha nada.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Da justiça, da informação e do direito à verdade

por Rodrigo Priesnitz*


Jogo de cena para alguns, semântica para tantos ou simples desrespeito para outros mais. Afinal, o que seria a tal “chicana” que o Presidente do STF se referia? No jargão jurídico é o mesmo que criar uma dificuldade com base em um detalhe irrelevante, de forma capciosa, com a finalidade de auferir vantagem no processo. Uma “tramóia”.
Automaticamente vem a tona um debate sobre a ética, seja em uma instituição ou para qualquer profissão. A Deontologia faz parte da filosofia moral contemporânea e sua origem significa, em grego, ciência do dever e da obrigação. Trata-se de uma teoria sobre as escolhas dos indivíduos e serve para nortear o que realmente deve ser feito. Immanuel Kant, filósofo alemão do século XIX, deu uma grande contribuição a Deontologia ao dividi-la em dois conceitos, razão prática e liberdade. Segundo Kant, agir por dever dá a ação o valor moral, enquanto agir por livre vontade manifesta a perfeição moral.
Não à toa que em Portugal, por exemplo, o Código de Ética do Jornalismo se denomina Código Deontológico. Poderia falar de qualquer profissão e preferi essa, que nos últimos tempos tem demonstrado grande sintonia com as atividades do STF, quase uma simbiose. Todos os Códigos de Ética do jornalismo incluem como valores e preceitos fundamentais a busca da verdade, a veracidade e a precisão das informações.
Por sua vez, a Declaração de Princípios sobre a Conduta do Jornalista, da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), afirma que "jornalistas dignos do nome" (art. 9) devem seguir fielmente o princípio estabelecido em seu artigo 1º: "O respeito à verdade e ao direito do público à verdade é a primeira obrigação do jornalista".
Como no meio jurídico, existem alguns apelidos que as próprias redações dão aos atos que fogem à atuação dentro da ética. Algumas relações entre jornalistas e os assuntos de suas matérias chegam próximas da promiscuidade, principalmente quando as fontes e personagens oferecem benefícios materiais em troca de exposição na mídia, publicidade ou elogios. Essa relação pode ser tácita e velada, na forma de “presentes”. A esta prática de suborno implícito o jargão chama de “jabaculê”, ou simplesmente “jabá” e pode acontecer ao contrário, pelo represamento da informação. Já nos casos em que um assunto, por conta própria, não tenha valor noticioso suficiente para ser publicado, diz-se que a matéria foi "plantada" na redação — ou seja, nascida no ambiente externo à redação, e não naturalmente, pelo "faro" dos repórteres. Quando a pressão vem dos diretores ou donos do veículo se chama “reco”, ou pauta 500. A imparcialidade é tema central nas discussões sobre ética jornalística. É difícil distinguir textos jornalísticos objetivos da simples opinião. Jornalistas podem ser vítimas de propaganda ou desinformação e mesmo sem cometer fraude deliberada, dar um recorte seletivo na apuração e na redação, focando em determinados aspectos em detrimento de outros, ou dando explicações parciais.
Ao discorrer sobre um tema tão polêmico, para não dizer desagradável, não carrego comigo
a presunção de julgar a atuação de nenhum profissional, mas chamar a atenção da comunidade para os efeitos desastrosos de um comportamento relapso quanto aos preceitos éticos do jornalismo. O caso brasileiro mais clássico de abuso na divulgação de informações inverídicas ficou conhecido como “Caso Escola Base” e serviu de exemplo do poder de destruição que o descuido, negligência ou má fé na divulgação de informações podem causar. Nesse caso, a destruição social e econômica da vida de seis pessoas inocentes envolvidas indevidamente em uma investigação policial de pedofilia pela irresponsabilidade de alguns jornais e obviamente de seus jornalistas, que na ânsia de oferecer ao público um grande “furo jornalístico”, acabaram por influenciar, contaminar e comprometer a própria investigação. Este artigo, por exemplo, embora carregado de informações, é apenas a manifestação da opinião do autor, nada mais.
Confundir divulgação de informação com emissão de opinião é falta gravíssima ao código de ética do jornalismo, assim como para a justiça, imputar a um par o comportamento anti ético do qual faz uso.
Minha professora primária já dizia, lá nos bancos do Colégio Dr. João Cândido Ferreira, que aquele que aponta para a mancha na camisa do colega quer mesmo é esconder o próprio dedo sujo.


*Rodrigo Priesnitz é Tecnólogo em Gestão Pública, militante e filiado ao Partido dos Trabalhadores e experimenta a atividade de blogueiro.